quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Escola do Assentamento Bela Vista recebe prêmio importante

A E.E.F. Nossa Senhora do Livramento, do Assentamento Bela Vista, foi uma das sete escolas que foram contempladas com o II Prêmio Minha Comunidade Sustentável, promovido pela Ação Educativa e Carta na Escola. O Projeto foi escolhido entre cerca de 300 propostas inscritas no concurso, o que demonstra a importância do mesmo.


O Projeto selecionado denomina-se "HORTA E VIVEIRO AGROFLORESTAL COMUNITÁRIOS DO ASSENTAMENTO BELA VISTA, coordenado pela professora Maria Elisabete da Silva.

A premiação aconteceu em São Paulo, no dia 1º de dezembro. Confira abaixo a relação das escolas e projetos selecionados.

As entidades que promoveram e contribuíram com a II Edição do Prêmio Minha Comunidade Sustentável são as seguintes:






segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Reivindicações do P.A. Bela Vista ao INCRA-CE

O Projeto de Assentamento Bela Vista, localizado no município de Jaguaruana-Ce, vem através deste documento apresentar à Superintendência Regional do INCRA no Ceará uma lista de reivindicações e, ao mesmo tempo, pedir agilidade na solução dos problemas vivenciados por este P.A. para que possamos contar com as condições mínimas necessárias para o desenvolvimento e melhoria das condições de vida dos assentados e assentadas.
1. A recuperação da estrada que liga o assentamento à sede do município.
Todos os anos vivenciamos os mesmos problemas quando se inicia o período chuvoso, pois as estradas são cortadas pela chuva trazendo graves transtornos para o Assentamento Bela Vista e os outros assentamentos que ficam no seu entorno como os P.A’s Serra Dantas, Bernardo Marinho I e Campos Verdes, assim como o acampamento Bom Jesus e localidades vizinhas como Gurgel, Pacatanha, Cabeço Branco, Lagoa da Salsa entre outras.
Os problemas advindos da precariedade das estradas são diversos e o principal deles é o interrompimento das aulas, pois no Assentamento funciona um Núcleo de Apoio Escolar, ou seja, estudam na escola do assentamento alunos das comunidades citadas anteriormente e do P.A. Serra Dantas. Também são prejudicados os alunos do ensino médio que estudam na sede do município. Este ano estes alunos (os que cursam ensino médio) passaram mais de três meses sem irem à escola, enquanto os que estudam na escola do assentamento tiveram mais de um mês de paralisação. Nos demais meses do período chuvoso a escola só funcionava quando os professores tinham condições de funcionar (muitos professores sofreram acidentes nesse período devido à precariedade das estradas).
Neste ano a estrada do assentamento foi cortada pelas águas em quatro trechos, o que dificultou o abastecimento e prejudicou a produção, pois o trator não tinha como chegar aos lotes para preparar os solos para o plantio.
Precisamos que seja agilizada a liberação dos recursos para a recuperação da estrada, pois do contrário se repetirão no próximo ano os mesmos problemas vivenciados há treze anos.
2. Liberação dos recursos para a reforma das casas
No final de 2008 foram liberados recursos na ordem de R$ 3.000,00 (três mil reais) para reforma das casas do Assentamento Bela Vista. No entanto, a previsão total foi de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), assim ainda faltam serem liberados dois mil reais (R$ 2.000,00). Nesse sentido, uma de nossas solicitações é a liberação deste recurso para que seja terminado o serviço das reformas. Este recurso é muito importante para os assentados, pois se destina à construção dos galpões que terão muita utilidade para os assentados.
3. Sistema de abastecimento de água
O acesso à água é uma das condições para a melhoria da qualidade de vida dos assentamentos de reforma agrária. Um dos problemas que mais dificultam a vida dos assentados do Assentamento Bela Vista é o acesso à água. Hoje essa situação é bem melhor do que antes, no entanto ainda não se tem uma infraestrutura capaz de garantir a satisfação dos assentados, pois temos um poço que leva água à vila, no entanto, ainda não temos água encanada nas residências.
Nossa solicitação quanto a esta questão é que o INCRA-CE propicie condições para a construção do sistema de abastecimento de água do assentamento Bela Vista. Para isso, serão necessários a perfuração de um poço profundo na vila principal (pois o que temos não comporta uma ação desse tipo, já que nesta vila vivem 153 famílias) e a recuperação ou perfuração de um poço profundo na Vila da Sede (que tem 21 famílias), além dos recursos necessários para que a água possa chegar às torneiras de cada residência.
Consideramos que este será um investimento que trará um ganho de qualidade de vida incalculável para o assentamento, pois a partir daí pode-se pensar outras ações e projetos como “quintais produtivos”, por exemplo.
4. Acesso à Internet
O Assentamento Bela Vista, tanto em termos de área quanto de população assentada, pode ser considerado um projeto de grande porte para os padrões regionais. A sua população de crianças e jovens já conta com mais de 500 (quinhentos) indivíduos. Essa população tem necessidades que vão além das de seus pais e por isso se faz necessário o desenvolvimento de ações e projetos que atendam suas demandas em particular.
Nesse sentido, solicitamos desta instituição que pensa a reforma agrária numa perspectiva mais ampla a instalação de um servidor ou provedor de internet no Assentamento Bela Vista, que já conta com no mínimo quatro computadores e com perspectiva de aquisição por parte das associações de pelo menos mais dois. No momento a Associação Cooperativista Nova Vida do Assentamento Bela Vista está criando um departamento denominado Grupo de Estudo e Trabalho para a Melhoria e Revitalização do Assentamento Bela Vista – GETRAM, que estar elaborando um projeto para a instalação de um Laboratório de Informática, que contará com no mínimo 10 (dez) computadores. A disponibilidade do serviço de internet será uma grande contribuição do INCRA para com o Assentamento Bela Vista e o seu entorno.
A importância de se ter o serviço de internet justifica-se pelo fato de que a informática como ferramenta educacional tem se revelado um instrumento de grande importância para o desenvolvimento socioeconômico e cultural. A “inclusão digital”, como se convencionou denominar a atual tendência da educação por meio das tecnologias da informação, tem contribuído, no Brasil e em outras partes do mundo, para dar oportunidades a milhões de crianças, jovens e adultos que não dispõem de condições e competências exigidas pelas sociedades contemporâneas. Assim, diversos projetos e ações neste campo têm contribuído para diminuição das desigualdades sociais e a superação da miséria, pois possibilita aos sujeitos envolvidos o desenvolvimento de competências e saberes que lhes proporcionam melhores condições de acesso aos bens (materiais e imateriais), serviços e mercado de trabalho.
Nesse sentido, os sujeitos que não têm um domínio mínimo das tecnologias da informação encontram um entrave a mais para sua inserção no “mundo do trabalho”, pois embora disponham de competências e habilidades apreendidas no ensino regular, faltam-lhes os saberes para lidarem com um mundo que a cada dia reforça seus alicerces sobre a virtualidade e a rapidez das informações.
Nessa conjuntura, as categorias sociais desfavorecidas (camponeses, operários, desempregados, favelados, entre outros) são as mais afetadas, pois são marcadas historicamente pela exclusão social e a exploração. Embora a escola pública tenha se universalizado nas duas últimas décadas ainda não conseguiu inverter a situação de baixa ou pouca escolaridade destes sujeitos sociais. Essa situação é um fator de impedimento para o desenvolvimento da sociedade brasileira. Com os avanços das tecnologias da informação as categorias sociais que têm pouca ou baixa escolaridade ficam ainda mais excluídas das oportunidades que se apresentam. Por isso, consideramos que o serviço de internet dará uma grande contribuição ao assentamento, pois possibilitará condições de acesso à informação e as tecnologias educacionais que estão tão distantes e ajudará as crianças e jovens a terem melhores condições para viverem no assentamento Bela Vista.
5. Considerações
As reivindicações que apresentamos através deste documento são de fundamental importância para a melhoria da qualidade de vida dos assentados do Assentamento Bela Vista e da população (assentada ou não) do seu entorno. Por isso, pedimos o empenho da Superintendência Regional do INCRA no Ceará para que nossas reivindicações sejam atendidas.

P.A. Bela Vista, Jaguaruana-CE, 14 de setembro de 2009.
Francisco Evangelista de Carvalho
Presidente da Associação Cooperativista Nova Vida do Assentamento Bela Vista

Maria Evangelina do Amaral Mesquita
Presidente da Associação dos Assentados do Assentamento Bela Vista

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Reivindicações à Prefeitura Municipal de Jaguaruana

No dia 21 de janeiro de 2009, representantes dos Assentamentos do entorno da Chapada do Apodi e comunidades vizinhas, reuniram-se com o Prefeito de Jaguaruana, Bebeto Delfino. O documento e o encntro foi organizado pelo GETRAM - Grupo de Estudo e Trabalho para a Melhoria e Revitalização do Assentamento Bela Vista. O conteúdo do documento foi o seguinte:

DEMANDAS À PREFEITURA MUNICIPAL DE JAGUARUANA DOS ASSENTAMENTOS BELA VISTA, SERRA DANTAS, BERNARDO MARINHO E CAMPOS VERDES; ACAMPAMENTO BOM JESUS E COMUNIDADES DE AÇUDE DO COELHO, PACATANHA, GURGEL, SÍTIO FLOR, SERRA DANTAS, LAGOA NOVA, LAGOA DA SALSA, MALÍCIA, VERTENTE E CABEÇO BRANCO.




No ano de 2008 o Núcleo de Apoio Escolar (Escola Nossa Senhora do Livramento) deixou de funcionar por quase três meses, prejudicando a vida escolar de 345 (trezentos e quarenta e cinco) alunos do Assentamento Bela Vista, Assentamento Serra Dantas, Serra Dantas, Gurgel, Sítio Flor, Açude do Coelho, Pacatanha, Cabeço Branco, Lagoa da Salsa, Lagoa Nova, Córrego do Salgado, Malícia, Vertente, Acampamento Bom Jesus, Assentamento Bernardo Marinho e Assentamento Campos Verdes.
A Escola deixou de funcionar por conta das estradas que ficaram intransitáveis durante a quadra invernosa de 2008. Todas as estradas que dão acesso ao Assentamento Bela Vista e que o ligam à sede do município de Jaguaruana e às comunidades rurais citadas anteriormente encontram-se em péssimo estado de conservação, agravando-se os problemas durante o período chuvoso.
Embora todos os anos a Prefeitura Municipal de Jaguaruana realize obras de recuperação, o trabalho desenvolvido não resolve os problemas, tendo em vista que o mesmo é feito sem nenhum critério e orientação técnica. As obras realizadas, geralmente, limitam-se à passagem da Patrol nas estradas, que escava o pouco de piçarra que ainda resta nas mesmas, aprofundando-as, transformando-as assim em lagoas e córregos. Desta forma, logo nas primeiras chuvas a água se acumula e com o trânsito de carroças, bicicletas, motos, automóveis, caminhonetes e caminhões com pouco tempo as estradas ficam intransitáveis. Além disso, há muitos bueiros que foram destruídos no último ano e não foram recuperados, fazendo-nos prever que os transtornos começarão ainda mais cedo no ano de 2009.
Há também outro problema gravíssimo que dificulta a vida de quem vive nestas comunidades. Trata-se do Núcleo de Apoio Escolar Nossa Senhora do Livramento, que não tem a mínima condição de funcionamento. O problema mais grave é a falta do prédio escolar, pois o mesmo funciona em galpões cedidos pelo Assentamento Bela Vista. Esta situação, que foi instaurada em caráter provisório em 1996 para atender às necessidades educacionais dos filhos dos assentados, hoje é insustentável. Em maio de 2009 este improviso de escola completa 13 (treze) anos e até hoje a escola não foi construída, embora o Assentamento Bela Vista tenha doado uma área de 50.000 m² (cinqüenta mil metros quadrados) para a construção da mesma (e outras obras como quadra poliesportiva, Posto de Saúde, Escola Agrícola, cemitério, etc.). Diante da situação cobramos uma solução definitiva para este problema, pois não há condições de nossos filhos continuarem estudando num prédio como este.
Outra reivindicação antiga destas comunidades é o Posto de saúde, que também funciona precariamente em prédio improvisado cedido pelo Assentamento Bela Vista. O Programa Saúde da Família não atende as necessidades da população, pois a equipe é composta apenas por um enfermeiro. É necessário que a equipe do PSF seja completada com um médico, enfermeiro e odontólogo. Atualmente toda essa população conta apenas com cinco fichas mensais para atendimento odontológico, o que é um absurdo. Reivindicamos a construção do Posto de Saúde e a instalação de um consultório odontológico.
À Secretaria de Agricultura do Município reivindicamos que seja regularizada a questão dos recursos para a preparação de terra para o plantio (“hora do corte de terra”); a ampliação do Programa de Distribuição de Sementes; a realização de cursos destinados a assentamentos e comunidades rurais e a implantação do Programa de Reflorestamento com Mudas de Sabiá (em convênio com o SEBRAE e outras instituições afins). Enfim, esta região é uma das mais produtivas e geradora de riquezas do município de Jaguaruana, portanto, é essencial o acompanhamento constante desta secretaria.
Da Secretaria de Cultura do Município gostaríamos de contar com o apoio à Escola de Música do Assentamento Bela Vista que está sendo criada e mantida pelos assentados e seus filhos e contribuições de alguns cidadãos jaguaruanenses.
Os problemas acima expostos devem ser colocados na lista de prioridades e obras emergenciais da administração que ora se inicia, sob risco de trazer grandes transtornos à vida de milhares de pessoas que vivem nesta região.
Diante do exposto queremos inteirar da situação a administração municipal e reivindicar do Prefeito Municipal, Antonio Roberto da Rocha Silva, e seu secretariado, políticas públicas para essa região tão carente, mas de grande potencial para o município de Jaguaruana.
Certos de que é do interesse de todos encontrarem rápida solução para as questões expostas, desejamos sucesso à nova Administração Municipal e esperamos manter um diálogo permanente e frutífero.
Atenciosamente
Olípio Plácido da Silva - Presidente da Associação Cooperativista Nova Vida – Assentamento Bela Vista
Manuel Moreira da Silva - Presidente da Associação Nova Esperança – Assentamento Serra Dantas
Cristiano Alves Ribeiro - Representante do Assentamento Bernardo Marinho
Vanderley Gomes da Silva - Representante do Acampamento Bom Jesus
Antonio Alves Maia - Representante do Assentamento Campos Verdes
José de Deus Rocha - Presidente da Associação Força e Esperança (Representante do Açude do Coelho, Sítio Flor, Gurgel e Pacatanha)
Hamilton Alisson da Silva - Presidente da Associação Nossa Senhora Aparecida (Representante da Lagoa da Salsa, Lagoa Nova, Malícia, Vertente, Córrego do Salgado e Cabeço Branco)
João Pessoa da Silva - Representante da Lagoa Nova
Ana Cláudia Rodrigues da Silva - Tesoureira da Associação Nova Esperança
Francisco Veríssimo da Silva - Associação Nova Esperança
Francisco Evangelista de Carvalho – Vice-Presidente da Associação Cooperativista Nova Vida e Membro do Grupo de Estudo e Trabalho para a Melhoria e Revitalização do Assentamento Bela Vista – GETRAM
Francisco Nicácio – Membro do GETRAM
Francisco Antonio da Silva - Membro do GETRAM
Maria Gislene da Silva - Secretária da Associação Cooperativista Nova Vida e membro do GETRAM
Raimundo Henrique Gomes – Membro do GETRAM
João Amaro Neto – Membro do GETRAM


Assentamento Bela Vista, Jaguaruana-CE, 21 de Janeiro de 2009.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Imagens do Assentamento Bela Vista: Escolinha de Música

O Professor Júlio realiza trabalho voluntário no Assentamento Bela Vista ensinando música a crianças e jovens.




O Assentamento Bela Vista

Por Francisco Antonio da Silva,
Filho de Assentados, reside no Assentamento Bela Vista e é professor do curso de História da FAFIDAM/UECE.
Em maio de 1996 o município de Jaguaruana, localizado na Região do Baixo Jaguaribe, Estado do Ceará, foi palco de uma das maiores manifestações de trabalhadores rurais na luta pelo direito a terra. Cerca de 200 (duzentas) famílias ocuparam na noite de 24 de maio uma grande propriedade rural, conhecida como JOBRASA – Jojoba do Brasil S.A. – grande produtora e exportadora de frutas tropicais, que havia decretado falência já havia uns dez anos.
A ocupação da fazenda JOBRASA representou uma mudança de atitude dos camponeses em relação aos proprietários de terras e autoridades do município de Jaguaruana que por muitos séculos reinaram absoluto em suas propriedades como verdadeiros “coronéis” e senhores de escravos.
Os camponeses, muitos deles vivendo na periferia da cidade, começarem a se organizar cerca de três meses antes a partir da intervenção do MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Na noite em que foi realizada a ocupação saíram todos da periferia da cidade, no Bairro Alto, onde foi feita a concentração. Na caminhada passaram pelo Bairro Tabuleiro e a 1,5 Km depois atravessaram o rio Jaguaribe, no trecho denominado Rio Serafim, passando em seguida pela comunidade de Carnaubal, à sua margem direita. Após uma caminhada de mais 1,5 km chegaram aos portões da fazenda, que se encontrava trancado à corrente e cadeado. Houve um momento de indecisão, alguns camponeses abandonaram o grupo temendo a repressão policial e a reação dos proprietários de terras e gado da região que utilizavam a fazenda para pastagem[1].
A chibanca[2], ferramenta de trabalho que faz parte do dia-a-dia do homem do campo, empunhada por uma mão firme, desferiu o golpe que fez voar pelos ares corrente e cadeado juntamente com as partículas luminosas resultantes do atrito. As partículas de fogo que concorreram com a luz da lua e das estrelas acenderam as esperanças daqueles que estavam do lado de fora da fazenda. A cerca e a porteira, instituições delimitadoras da propriedade privada, representam a divisão do mundo entre os proprietários e não-proprietários. Além de ser uma barreira material a cerca e a porteira funcionam, no plano simbólico e das representações, como um entrave psicológico. Numa sociedade na qual a posse da terra teve um papel central na definição da dinâmica de classes e na estruturação do campo econômico, naturalizar a situação dos despossuídos foi uma condição essencial para o não questionamento das desigualdades sociais.
Os movimentos sociais do campo que lutam pelo direito ao acesso a terra representam para os camponeses a possibilidade de questionamento da estrutura fundiária do país, com propostas de reforma agrária que superam as políticas restritas de assentamento e colonização promovidas pelo Estado. A reforma agrária defendida pelos movimentos sociais não é contrária ao desenvolvimento da agricultura camponesa, pelo contrário, a reforça. As elites políticas e econômicas, dentre elas os grandes proprietários rurais ou latifundiários, defendem a tese de que a agricultura camponesa é inviável, representando atraso e prejuízo para a economia nacional e a solução seria a agricultura capitalista, porque é técnica e financeiramente viável. Com base neste discurso os grandes proprietários se beneficiam dos créditos públicos e incentivos fiscais enquanto o campesinato fica excluído das políticas públicas para o campo. A saída apontada pelo Estado, organismos internacionais e intelectuais representantes das elites econômicas seria a reforma agrária de mercado e a agricultura familiar empresarial[3]. De acordo com um consultor do INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, em pesquisa a respeito da situação da reforma agrária e sua relação com a economia globalizada, na qual analisa o nível de renda dos assentados em projetos de Reforma Agrária,
(...) a mesma situação em termos de renda não se registra em todas as regiões do país. O caso analisado no Nordeste revela a impossibilidade de estruturar um setor consolidado nas condições de clima e solos do semi-árido nordestino. Nenhum agricultor atingiu esse nível, e a grande maioria sobrevive em função do apoio constante de algumas ONG’s e entidades de apoio. Isto não desqualifica o esforço realizado pelos agricultores e suas organizações no sentido de estruturar sistemas de produção com espécies adaptadas à seca, caprinocultura, obras de irrigação, etc. Conseguem, assim, coexistir com a seca e sobreviver a suas conseqüências mais nefastas. Mas os altos custos e as dificuldades crônicas dos sistemas desse tipo não justificam uma política voltada para a expansão da agricultura familiar nessa região, como pode ser o caso da reforma agrária (GUANZIROLI, 1998).
A conclusão obvia deste estudo é de que em regiões como o Nordeste o agronegócio é a única alternativa viável, pois a pequena propriedade e os projetos de Assentamento de Reforma Agrária representariam entraves ao desenvolvimento da região, devido às condições de clima e solos. Essas contradições, no entanto, podem ser percebidas pelos observadores mais desatentos, pois os grandes projetos agroindustriais se espalham por todos os lugares. O Projeto Jaguaribe Apodi, que envolve os municípios de Limoeiro do Norte e Quixeré, e o Projeto Tabuleiros de Russas, envolvendo os municípios de Russas, Morada Nova e Limoeiro do Norte, representam apenas uma pequena demonstração da apropriação das terras férteis e dos recursos hídricos por grandes empresários.
O agronegócio, um nome novo para designar um velho conhecido, o latifúndio, é a saída encontrada pelo Estado para a reprodução da estrutura agrária do país, garantindo aos grandes proprietários, a inviolabilidade da grande propriedade, e ao mesmo tempo mão-de-obra barata, tornando possível a existência de milhares de trabalhadores que vendem sua força de trabalho em condições precárias.
A ocupação da fazenda JOBRASA representou um salto de qualidade para os camponeses do município de Jaguaruana. De acordo com o GETRAM – Grupo de Estudo e Trabalho para Melhoria e Revitalização do Assentamento Bela Vista,
Para a grande maioria dos que participaram da ocupação da fazenda essa foi uma experiência inesquecível, pois pela primeira vez na vida se sentiram sujeitos da história, responsáveis por seus destinos. A experiência mais próxima pela qual quase todos haviam enfrentado foram os saques ou tentativas de saques ao comércio local nos períodos de seca. A diferença estava no fato que no saque a “multidão” é movida pela fome, enquanto na ocupação de terras há um caráter político mais evidente, até porque foi o MST que organizou os trabalhadores durante meses para aquela ação.
Durante a ocupação da terra e o estabelecimento do acampamento os camponeses passaram por uma experiência de trabalho coletivo, coisa muito diferente da ajuda mútua que caracteriza a rotina de trabalho e organização da produção do campesinato brasileiro.
A organização e o exercício da política foi outra variável que diferenciou o Assentamento Bela Vista de outras comunidades e organizações sociais, pois existiu por muitos anos uma democracia direta a partir da qual os assentados discutiam seus problemas e decidiam os destinos da comunidade através da participação e respeito às decisões da maioria (GETRAM, 2008, p. 4).

A ocupação resultou na desapropriação da terra pelo governo federal e na constituição do P.A. Bela Vista, com 174 famílias assentadas. O Assentamento Bela Vista é constituído por duas agrovilas[4]: a principal, com 154 famílias, localiza-se no início da Chapada do Apodi; a outra, com 20 famílias, estar situada no local onde funcionava o escritório central da empresa, por isso é conhecida como “sede”. Duas associações representam os assentados: a mais antiga, a Associação dos Assentados do Assentamento Bela Vista e a Associação Cooperativista Nova Vida, fundada há cinco anos. Desde o final de 2008, com a intenção de contribuir com a organização do assentamento, um grupo de assentados e assentadas e seus filhos vêm se reunindo para criar um grupo, denominado GETRAM – Grupo de Estudo e Trabalho para a Melhoria do Assentamento Bela Vista – que tem como objetivo “trabalhar para a melhoria e revitalização do Assentamento Bela Vista, com o intuito de refletir a respeito dos problemas e dificuldades vivenciadas pelos assentados, na tentativa de ampliar as condições da comunidade e o desenvolvimento da agricultura camponesa” (GETRAM, op. cit., p. 5).
Desde a ocupação, passando pelo processo de acampamento e assentamento já se passaram quase 13 (treze) anos. Durante este período os assentados passaram por diversas experiências, marcando profundamente a existência destes camponeses e a forma como vêem a si mesmos e o mundo. Pois,
Enfim, um assentamento que resulta de programa de reforma agrária não se restringe à dimensão econômica, pois ele se caracteriza por ser um espaço de vida, um território socialmente ocupado no dizer do grande geógrafo Milton Santos, onde as pessoas partilham suas vidas, crenças e valores. O assentamento é a expressão concreta de uma nova organização social, sendo que o espaço socialmente construído e conquistado deve refletir as condições objetivas e subjetivas para o desenvolvimento integral, ou seja, os assentados devem dar um salto de qualidade nos aspectos sócio-econômicos, políticos, educacionais, culturais, etc. (Idem, op. cit., p. 5).
É esta experiência, o viver em um assentamento de reforma agrária e o processo de ocupação, resistência e reprodução material da existência, a temática deste projeto de pesquisa. Pretende-se compreender o processo de construção do Assentamento Bela Vista, a luta pela terra, através das experiências individuais e coletivas vivenciadas pelos assentados.
A pesquisa justifica-se pela necessidade de se compreender de forma mais ampla a luta pela terra em Jaguaruana, tendo em vista que a ocupação da fazenda Jobrasa não foi um fato isolado na história das ocupações neste município. Além do Assentamento Bela Vista, há no seu entorno mais quatro assentamentos e e um acampamento: Assentamento Serra Dantas, Bernardo Marinho I, Campos Verdes e Boi Gordo. O acampamento Bom Jesus, localizado ao lado do Assentamento Bela Vista, já teve o decreto de desapropriação da terra assinado pelo governo federal.
Como se pode observar pela dimensão da questão, a temática necessita ser melhor compreendida e exige a realização de estudos mais amplos. Por ora, esta pesquisa pretende iniciar a reflexão a respeito. Esperamos poder aprofundar o tema em outro esforço de pesquisa[5].
[1] Grandes proprietários do município passaram a utilizar as pastagens da fazenda, após a falência da Jobrasa, para criação de gado, sem a autorização de nenhum órgão do Estado. Por isso, eles consideravam-na produtiva e por esse motivo temeram e repudiaram a presença dos “sem-terra” na propriedade.
[2] Uma ferramenta de trabalho utilizada pelos camponeses para a destoca, o processo de arrancar o toco e as raízes das árvores depois que é feito a broca e a queimada. A chibanca é a combinação de dois outros instrumentos de trabalho: numa extremidade há uma espécie de machado e na outra uma pequena enxada.
[3] Estas questões serão desenvolvidas mais adiante. É importante aqui perceber as diversas estratégias postas em prática para limitar a legitimidade das reivindicações dos camponeses e incentivar políticas que visam à destruição do campesinato, pois as propostas de agricultura familiar têm um forte componente empresarial que solapa as relações próprias da agricultura camponesa. Para saber mais a respeito desta temática ver as pesquisas desenvolvidas pelo NERA (Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária), ligado ao Departamento de Geografia da FCT/UNESP, Campus de Presidente Prudente. Consultar o site www.fct.unesp.br/nera, onde estão disponíveis diversos textos, artigos, boletins, relatórios sobre a questão da reforma agrária no país.
[4] As agrovilas são constituídas em um lote reservado para tal finalidade. Nelas são definidas diversas “regras sociais entre os moradores para garantir o clima social de amizade e fraternidade”. Uma agrovila “representa sobretudo a manutenção do sentido de coletividade que move os assentados desde os tempos dos acampamentos” (MORISSAWA, 2001, p. 227).
[5] O autor pretende dar continuidade ao estudo da problemática em sua pesquisa de doutorado, a partir de 2010.